Este artigo examina o pensamento filosófico de Richard Rorty e, em particular, sua dimensão política, delineando seu tratamento original e crítico de temas centrais à teoria política contemporânea. O objetivo do texto é triplo: chamar a atenção para a fertilidade das ideias de um autor ainda pouco lido no Brasil (i), assinalar as notáveis consequências corrosivas da abordagem rortyana para pressupostos e pretensões fundantes de importantes vertentes da teoria política (ii), e, numa ótica mais positiva, apontar o potencial inspirador dos escritos desse autor para a reflexão sobre novos modos de justificação da democracia (iii). Salientam-se também, nesse último caso, os limites impostos a esse tipo de empreitada político-intelectual. A abordagem empregada consiste em demarcar os contornos gerais do projeto filosófico do autor, seguindo-se uma apresentação dos tópicos mais propriamente políticos da obra de Rorty. Mais especificamente, o artigo explora a proposta rortyana de substituição da noção de verdade pela de justificação, assinalando-se suas consequências para pretensões de verdade, objetividade e universalismo, presentes em diversas linhas da teoria política. Nesse veio, o artigo discute as eventuais implicações relativistas das teses rortyanas, chegando-se, por essa rota, às ideias de contingência, imaginação e persuasão, núcleos conceituais vitais à reflexão em tela. Um breve contraste com posições de autores como Habermas e Rawls, caros ao próprio Rorty, é esboçado no propósito de tornar mais clara a especificidade da abordagem rortyana da política. Transitando, do modo assinalado, por esses tópicos, o texto resulta em um panorama sintético da perspectiva rortyana acerca do que vem a ser, contemporaneamente, uma "política democrática", liberta de "universalismos" e "objetividades", na qual ganham estatuto decisivo questões de justificação, tolerância e coexistência, necessariamente pensadas enquanto construtos culturais contingentes, no âmbito interno de sociedades democráticas e no plano global (onde vigoram regimes políticos assentados em valores políticos distintos e mesmo contraditórios). Desse modo, o texto busca fornecer ao leitor uma introdução e uma amostra das dimensões críticas e construtivas presentes na obra de Rorty, apostando que agendas de pesquisa preocupadas com a temática da justificação ético-normativa da democracia e com os limites da própria tolerância democrática encontrem nesse autor uma fonte fecunda de inspiração.
This article examines the philosophical thought of Richard Rorty and, in particular, its political dimension, outlining your unique and critical treatment of central themes in contemporary political theory. The objective of this paper is threefold: to draw attention to the fertility of the ideas of an author still little read in Brazil (i), noted the remarkable corrosive consequences of Rorty's approach to foundational assumptions and pretensions of important lines of thought in political theory (ii), and, in a more positive light, pointing the motivational potential of the writings of this author for thinking about new ways of justification of democracy (iii). Also point out, in this latter case, the limits to this kind of political-intellectual endeavor. The approach is to demarcate the general outlines of the philosophical project of the author, followed by a presentation of the more properly political topics of the work of Rorty. More specifically, the article explores Rorty's proposal to replace the notion of truth in justification, pointing up the consequences for claims of truth, objectivity and universalism, present in various lines of political theory. In this shaft, the article discusses the possible implications of Rorty's relativistic theses, coming up, by this route, the ideas of contingency, imagination and persuasion, which are a central core concept in thinking the author studied. A brief contrast to positions of authors like Habermas and Rawls, admired for Rorty, is outlined in order to clarify the specificity of Rorty's approach to politics. Examining these topics, the text results in a synthetic overview of Rorty's perspective about what comes to be, in the contemporaneity, a "democratic politics", free of "universalism" and "objectivity", in which gain decisive status issues of justification, tolerance and coexistence, necessarily thought of as contingent cultural constructs, within democratic societies and the global level (where there are political regimes with different and even contradictory political values). Thus, it seeks to provide the reader with an introduction and a sample of critical and constructive dimensions present in the work of Rorty, betting that research agendas concerned with the issue of ethical and normative justification of democracy and the limits of democratic tolerance to find this author a fruitful source of inspiration.